Apresentação
Ampliando
as discussões que até agora se dirigiram a autores e questões
filosóficas da cultura grega clássica, o Seminário
Internacional Archai,
na sua décima primeira edição, definiu como objetivo discutir a
construção do ethos do
herói (e do anti-herói) na literatura greco-romana, bem como a sua
recepção na cultura moderna, principalmente no cinema e literatura.
Nesse âmbito, buscamos articular as matrizes, seja no campo
histórico ou no ficcional, da tradição helênica ocidental com
gêneros de grande penetração cultural e política, como
o Western norte-americano,
e textos clássicos da literatura brasileira, como o Romanceiro
da Inconfidência,
de Cecília Meireles, eGrande
Sertão: Veredas,
de Guimarães Rosa, e re(a)presentações de personagens como
Tiradentes, Zumbi ou Lampião.
Da
Grécia ao Brasil, ainda nos defrontamos com os mitos, os heróis e o
peso de suas decisões e ações, como indicam a crônica de 24 de
abril de 1892, de Machado, por ocasião do aniversário da
Inconfidência Mineira:
Relede
Ésquilo, amigo leitor. Escutai a linguagem compassiva das ninfas,
escutai os gritos terríveis, quando o grande titão é envolvido na
conflagração geral das coisas. Mas, principalmente, ouvi as
palavras de Prometeu narrando os seus crimes às ninfas amadas: “Dei
o fogo aos homens; esse mestre lhes ensinará todas as artes”. Foi
o que nos fez Tiradentes;
ou
as inquietações filosófico-poéticas de Paulo Leminski, em sua
viagem pelo imaginário grego, por meio da recepção do mesmo na
obra de Ovídio:
Esta
lenda é a pedra de Sísifo [...] e a pedra volta, sempre volta,
penas de Hércules, trabalhos de Dédalo, labirintos, lembra que és
pedra, Sísifo, e toda pedra, em pó vai se transformar, e sobre esse
pó muitas lendas se edificarão. [....] Ao morrer, o minotauro chora
como uma criança, por fim se enrosca como um feto, e se aquieta no
definitivo da morte. Teseu limpa a espada no manto e sai, com uma
morte na alma do tamanho da noite (Metaformose).
....há
pedras no meio do caminho, há lendas impressas em lugar da verdade e
a sedução das fábulas, como indica outro poeta, Seféris – que
lemos abaixo na tradução de José Paulo Paes –, ao fazer
reverberar no século XX o espanto dos soldados frente ao herói
Menelau, quando do desaparecimento daquele famoso fantasma de Helena,
na tragédia homônima de Eurípides, ardiloso expediente dos deuses
que causou a guerra de Tróia:
Rouxinol
rouxinol rouxinol,que
é deus? e não deus? e entre um e
outro?
...............................................
Solitário
ancorei com esta fábula,
se
é verdade que de fábula se trata,
se
é verdade que os homens não irão cair de novo
no
velho engano dos deuses.
Podemos
também nos perguntar: que(m) é o herói? que(m) é o anti-herói? e
entre um e outro? Ao “entre” gostaríamos de dar destaque. Nesse
sentido foi que escolhemos a identidade visual desse Seminário
a partir de uma Hidra de figuras negras do século VI a.C. É
uma imagem que enfatiza, mais que o resultado da metamorfose, o
breve momento da transição, de passagem de um estado a outro.
Trata-se de uma cena relatada no Hino
Homérico a Dioniso,
quando piratas
são transformados em golfinhos pela divindade. Além do tema na
transição, a figura do pirata também nos atrai e é oportuna aqui.
“Pirata” vem de περάω (peráo),
que significa atravessar, passar, cruzar fronteiras, daí, viajar
para transportar, vender e trocar coisas. Da mesma esfera semântica
são os termos “experimentar”, “tentar”. Nesse sentido, esse
Seminário é também uma tentativa de cruzar fronteiras, não apenas
buscando compreender o que sejam homens, deuses e heróis, mas,
também, como diferentes povos, em diferentes momentos, trocaram,
combinaram e conservaram suas diversas representações do humano e
do divino e, mantendo algumas de suas características, fizeram-nas
personagens-símbolo de seus mitos e lendas.
Antes
de concluir essa apresentação, é necessário destacar que a
escolha de parte do título, "entre gregos e baianos", é
uma referência – que também reitera a importância do “entre”
– ao título de um dos livros do poeta, ensaisata e tradutor José
Paulo Paes, no qual variadas manifestações culturais da literatura
e música são analisadas, tomando como pressuposto a desconstrução
da antítese entre arte de elite e arte de massa. É também com esse
espítrito que convidamos todos/as interessados para participar desse
seminário e experimentar os limites, a travessia entre o mar
helênico e o sertão, entre o “velho oeste” e as montanhas de
Minas (onde também “eram tantos cavalos”), entre a filosofia e
áreas afins: poesia, história, cinema, em um diálogo que,
esperamos, seja profundo, profícuo e prazeroso.
Sejam
bem-vindos/as ao XI Archai!